Região Norte concentra 95% dos casos de doença de Chagas

DNDi, organização criada há 20 anos, busca novos tratamentos para enfermidade, que, nos últimos dez anos, matou 4 mil pessoas anualmente no Brasil.

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No Brasil, há pelo menos um milhão de pessoas infectadas com o parasita Trypanosoma cruzi, causador da doença de Chagas, transmitida pelo inseto conhecido como barbeiro. A região Norte apresentou a maior taxa de incidência da doença na fase aguda, concentrando 95% dos 146 casos registrados em 2020, com destaque para municípios como Breves, Belém, Abaetetuba e Cametá, segundo boletim epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde. Todos os óbitos decorrentes da enfermidade ocorreram no estado do Pará.

Após a infecção, há uma fase inicial aguda, que dura cerca de dois meses, e, em seguida, uma fase crônica, na qual até 30% dos pacientes sofrem de distúrbios cardíacos. A doença pode levar à morte súbita, principalmente devido a arritmia ou insuficiência cardíaca. Nos últimos dez anos, foram registrados em média 4 mil óbitos a cada ano no Brasil, tendo a doença de Chagas como causa básica, de acordo com o Ministério da Saúde.

No Brasil, tem ocorrido uma mudança na principal forma de transmissão da doença. Se antes ela se dava principalmente quando as fezes e/ou urina do barbeiro entram no organismo por meio da picada, de outra ferida na pele, olhos ou boca, assiste-se no país um aumento sistemático de casos associados à transmissão oral pela ingestão de alimentos contaminados, como o açaí, principalmente na região amazônica. Em 2020, a transmissão oral respondeu por 75,34%.

Até hoje, a enfermidade é tratada com dois medicamentos antiparasitários criados há mais de meio século. Embora sejam eficazes se administrados logo após a infecção, a eficiência diminui no caso de pacientes crônicos. Além disso, o tratamento dura oito semanas e pode causar efeitos colaterais consideráveis, como intolerância gástrica, erupções cutâneas ou problemas neuromusculares.

Para enfrentar esse cenário, a organização internacional sem fins lucrativos iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi), por meio de um modelo de pesquisa e desenvolvimento baseado em parcerias, busca por novos fármacos. Além de ter produzido o primeiro tratamento pediátrico para a doença de Chagas, aprovado para uso no país em 2011, estabeleceu a Plataforma de Pesquisa Clínica em Doença de Chagas, rede formada por 460 especialistas de mais de 150 instituições de 23 países, que tem o objetivo de promover novos tratamentos e melhorar a vida de quem vive com a enfermidade.

No Brasil, ano passado, a DNDi firmou parceria com a Universidade de São Paulo (USP), onde pesquisadores iniciaram a testagem de moléculas candidatas a medicamentos em um modelo in vivo bioluminescente. Por ser mais sensível, a técnica facilita e acelera o processo que verifica se um determinado composto químico apresenta uma ação inibidora contra a Trypanossoma cruzi e se existem ou não focos remanescentes de infecção após o tratamento. A tecnologia, que foi transferida da London School of Hygiene & Tropical Medicine para a USP, por meio da DNDi, também possibilita a obtenção de respostas mais precisas sobre a eficácia de moléculas.

“A DNDI nunca atua sozinha. Nossas ações sempre envolvem algum parceiro. Não existe o desenvolvimento de projetos de maneira isolada. É um espírito que norteia a qualquer gênese de projeto da DNDi, que mantém sem modificação nesses 20 anos e tem criado ecossistemas de P&D em países com áreas endêmicas para doenças negligenciadas”, frisa Sergio Sosa-Estani, diretor da DNDI na América Latina. Além das instituições acadêmicas e da indústria, acrescenta, há outros atores envolvidos no processo, como o parceiro governamental, o usuário e a sociedade civil organizada.

No próximo dia 28 de novembro, em comemoração às duas décadas de atuação, a DNDi vai reunir especialistas internacionais, laboratórios farmacêuticos, formuladores de políticas públicas e organizações da sociedade civil, atores fundamentais no campo de pesquisa e desenvolvimento (P&D) para doenças negligenciadas, na sede da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) no Rio de Janeiro.

No evento, intitulado 20 anos da DNDi: Soluções sustentáveis para desenvolver a melhor ciência para populações ainda negligenciadas, serão abordados os avanços feitos pela DNDi e seus parceiros desde a fundação da organização, assim como os desafios que persistem, tanto na área de desenvolvimento de tratamentos quanto no acesso a medicamentos. A inscrição deve ser feita no site da instituição.

DNDi: 20 anos inovando para cuidar das populações negligenciadas

A DNDi é uma organização internacional sem fins lucrativos que descobre, desenvolve e disponibiliza tratamentos seguros, eficazes e acessíveis para pacientes negligenciados. Usando o poder da inovação, da ciência aberta, de parcerias e de práticas de advocacy, busca soluções para a falta de medicamentos contra doenças que ameaçam a vida de pessoas em situação de vulnerabilidade. Criada em 2003, a DNDi, em um trabalho realizado em parceria, atingiu o marco de 12 tratamentos disponibilizados para populações negligenciadas.