Homossexualidade é influenciada por vários genes e por ambiente, mostra o mais amplo estudo na área

Não existe, afirmam os cientistas, um 'gene único' responsável por determinar a atração por pessoas do mesmo sexo, algo que teria origem multifatorial

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Não há um “único gene” responsável pela homossexualidade, mas vários. E, embora exerçam influência, não são determinantes Foto: Arte sobre foto de Justin Sullivan/AFP

CAMBRIDGE, EUA – De que forma a genética influencia a sexualidade? Essa pergunta tem sido motivo de controvérsia por muito tempo, e há pouco anos cientistas mundo afora começaram a encontrar genes associados ao comportamento sexual. No entanto, o maior estudo já realizado até hoje na área — envolvendo quase 500 mil pessoas — revela que não existe o chamado “gene gay”, um único gene que determina qual será a orientação sexual do indivíduo.

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Depois de serem analisados quase meio milhão de genomas, foram encontrados cinco marcadores de DNA relacionados ao comportamento sexual — e os estudiosos acreditam que deve haver muito mais. Porém, nenhum desses cinco mostrou o poder de prever a sexualidade de alguém.

A descoberta foi publicada na prestigiada revista “Science” desta semana.

A conclusão reforça os resultados de estudos menores anteriores e confirma as suspeitas de muitos cientistas: apesar de as preferências sexuais terem um componente genético, nenhum gene isolado tem grande efeito sobre comportamentos sexuais.

— Não existe um gene gay — diz Andrea Ganna, autor principal do estudo, geneticista do MIT e da universidade Harvard, ambos na cidade de Cambridge, Estados Unidos.

Genética responde por até 25%

Ganna e seus colegas também usaram a análise para estimar que até 25% do comportamento sexual pode ser explicado pela genética, sendo o restante influenciado por fatores ambientais e culturais.

— Este é um estudo sólido — diz Melinda Mills, socióloga da Universidade de Oxford, no Reino Unido, que estuda a base genética dos comportamentos reprodutivos.

Mas ela alerta que os resultados podem não ser representativos da população em geral — uma limitação que os autores do estudo reconhecem.

Minorias ficaram de fora

A maior parte dos genomas analisados vem do programa de pesquisa Biobank do Reino Unido e da empresa de genética 23andMe, com sede nos EUA. As pessoas que contribuíram com suas informações genéticas para esses bancos de dados são predominantemente de ascendência europeia e com idades acima dos 40.

Os participantes do Biobank tinham entre 40 e 70 anos quando seus dados foram coletados, e a idade média para as pessoas no banco de dados do 23andMe é 51.

Outra limitação é que o trabalho não inclui minorias sexuais e de gênero — a comunidade LGBTI+ —, como pessoas trans e intersexuais.

Em busca de amostras maiores

Os cientistas há muito pensam que os genes de alguém influenciam parcialmente sua orientação sexual. Pesquisas da década de 1990 mostraram que gêmeos idênticos têm maior probabilidade de compartilhar uma orientação sexual do que gêmeos não idênticos, irmãos que não são gêmeos ou irmãos adotados.

Mas esses estudos tinham amostras muito pequenas e mais focadas nos homens, conta Mills. Isso dificultou a capacidade dos cientistas de detectar muitas variantes associadas à orientação sexual.

No estudo recente, Ganna e seus colegas usaram um método conhecido como estudo de associação ampla do genoma, para analisar os genomas de centenas de milhares de pessoas em busca de marcadores do DNA.

Os pesquisadores descobriram que cinco marcadores eram mais comuns entre os indivíduos homossexuais. No entanto, esses cinco marcadores explicaram coletivamente menos de 1% da variação no comportamento sexual.

Isso sugere que existem muitos genes que influenciam a homossexualidade, muitos dos quais os pesquisadores ainda não encontraram.

— Um tamanho de amostra ainda maior pode ajudar a identificar essas variantes ausentes — afirma ele.

Mas Ganna adverte que esses marcadores não podem ser usados para prever com segurança orientações sexuais em qualquer indivíduo, porque nenhum gene isolado tem um grande efeito sobre os comportamentos sexuais.

— Os resultados demonstram a complexidade da sexualidade humana — diz Ganna.