Advogada é barrada por “roupa inadequada” no TJ-RO

“Me senti humilhada”, diz advogada barrada no TJ-RO

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A advogada Eduarda Meyka Ramires, 26, foi abordada por dois funcionários do TJ-RO (Tribunal de Justiça) de Rondônia, em Porto Velho, que tentaram impedir o acesso dela ao plenário do órgão alegando que ela estava vestindo “roupas inadequadas” para o local.

A advogada estava vestindo uma calça social e uma blusa de manga três-quartos na manhã do último dia 24, quando iria acompanhar o julgamento de processos que envolviam clientes do seu escritório, o Andrey Cavalcante & Serpa Advogados Associados.

Ramires relatou que se sentiu constrangida, humilhada e envergonhada, porque a abordagem chamou a atenção das pessoas que estavam próximas a ela. A advogada tinha passado pelo portal de detector de metais, usava o crachá de acesso ao plenário e esperava o elevador quando os dois funcionários a abordaram.

Segundo Ramires, um deles perguntou se ela tinha uma blusa, e ela respondeu que sim, pois estava com a vestimenta. Mas, segundo relato da advogada, o funcionário afirmou que ela estava com “tudo de fora”, mostrando as costas e o colo e que, por este motivo, precisava de outra blusa para colocar por cima para poder entrar no plenário.

“Ainda pensei em dizer que não iria ao plenário, que iria para um gabinete, mas falei, realmente, para onde eu ia. O funcionário repetiu que eu estava com ‘tudo de fora’ e todo mundo começou a me olhar. Me senti constrangida, humilhada e impotente. Não esperava isso no tribunal, no ambiente de trabalho, na frente de todo mundo, era meu trabalho”, conta a advogada. Ela disse que em seguida questionou a abordagem e que os dois funcionários liberaram seu acesso, mas afirmaram que ela “iria ser barrada na entrada do plenário”.

“Entrei toda constrangida e não tinha nenhum desembargador. Perguntei se não ia ter sessão e me informaram que tinha sido adiada para uma hora depois. Não estava me sentindo bem e fui ao banheiro lavar o rosto, depois voltei e gravei a conversa com o funcionário que me barrou. Informei-o que estava gravando e ele repetiu a frase que de ‘tinha me barrado porque eu estava com tudo de fora'”, relata Ramires, dizendo que, “na minha cabeça, aquilo aconteceu porque sou mulher, não imagino um homem pensando em que roupa vestir para ir ao tribunal para não ser barrado”.

Ela registrou o ocorrido na ouvidoria do TJ-RO e ficou espantada com o número de reclamações de pessoas que tiveram o acesso barrado ao órgão por conta de vestimentas “inadequadas”. A ouvidoria dispõe, inclusive, de um modelo de texto para facilitar o registro.

“Depois que tornei público o ocorrido, recebi relatos de mulheres que foram barradas, e um dos porteiros emprestou um blazer para ela poder entrar no tribunal. É constrangedor ter de se vestir com roupa de um homem para poder ter acesso a um local nosso. A gente usa a roupa que quiser, quem define se a roupa é adequada ou não, somos nós”, afirma a advogada.

Ramires destaca que o Tribunal de Justiça é um órgão público, construído no dinheiro do povo e “temos de ter acesso”. Ela diz que já passou por situação semelhante em outros prédios do TJ-RO, mas que a abordagem foi discreta e não denunciou o ocorrido anterior.

“Desta vez, eu não podia me calar. Quero encorajar mulheres, advogadas, conselheiros federais, OAB Mulher, para que providências sejam tomadas para que situações como esta não ocorram mais. Hoje não lamento ter acontecido comigo, pois outras advogadas já passaram por isso e por temer perder emprego e sofrer represálias resolveram se calar”, diz Ramires.

A advogada afirmou ainda que, durante o tempo em que ficou no TJ-RO, no último dia 28, observou mulheres com decotes, com saias curtas, e questiona o porquê de elas estarem com roupas mais chamativas que a dela e não terem sido barradas.

“Fico pensando como são tratadas mulheres que não têm poder aquisitivo para comprar uma roupa para ir ao tribunal, que não têm instrução. Isso é abuso e absurdo demais. Minha reação não é nenhum ataque pessoal ao TJ, ao presidente, nem aos funcionários. Tanto que não vou divulgar os nomes deles. Eles me trataram mal, com falta de sensibilidade, mas eles foram mal treinados. O mérito não é esse, é existir uma regra que não vale para todos”, diz.

OAB contesta

Após o relato da advogada ser divulgado nas redes sociais, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) se manifestou questionando a atitude tomada pelos funcionários do TJ-RO. O órgão afirmou que não existe padrão de terno e gravata na vestimenta profissional da advocacia feminina e que sua cobrança caracteriza “violação da independência funcional do advogado”.

“Importante também reafirmar que, não apenas a advogada, mas toda mulher, enquanto cidadã de um país em que a Constituição assegura a igualdade entre homens e mulheres, tem que ter garantido o seu direito de se vestir livremente sem se sentir em perigo ou ter seus direitos mitigados em razão de suas escolhas de vestimenta”, destaca a OAB Rondônia.

A OAB critica também a revista realizada por funcionários do TJ-RO nas bolsas das advogadas para terem acesso aos prédios do tribunal, mesmo passando por portais com detectores de metal. Para a entidade, tal conduta além de ferir a intimidade da pessoa, viola as prerrogativas profissionais das advogadas e advogados, que não podem ser impedidos de ingressar em unidades públicas, dentro do exercício de sua profissão.

“Mulheres e advogadas têm passado diariamente nas unidades judiciárias estaduais, que as expõem ao constrangimento, a situações vexatórias e abusivas, inclusive com suas bolsas revistadas, resultando, na maioria das vezes, em comentários inadequados e de foro íntimo das mulheres”, diz a entidade, reforçando que vai pedir a revisão da norma interna do TJ-RO quanto a vestimentas femininas, bem como a desobrigação da revista nas bolsas das advogadas.

Resposta

O Tribunal de Justiça de Rondônia informou que determinou a apuração da situação relatada pela advogada e que pretende esclarecer os fatos, além de coibir abusos na seleção de vestimentas das pessoas no ingresso em suas dependências.

“A norma que adota para controle de acesso à suas instalações têm por base as orientações regulamentares do Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal. Este tribunal tem por política institucional respeito e bom atendimento a seus jurisdicionados, e a todos os parceiros indispensáveis à efetivação da Justiça”, destacou o TJ-RO.

 

Fonte: Portal UOL