Em disputa por décadas, fazenda de quase 6 mil hectares em Vilhena, volta ao patrimônio da União

As terras em questão foram transferidas para três particulares na década de 1970 por meio de Contratos de Alienação de Terras Públicas. Recurso era do Ministério Público Federal (MPF) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

792
A 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) acolheu, por unanimidade, recurso do Ministério Público Federal (MPF) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e declarou que o imóvel conhecido como Fazenda Vilhena deve retornar ao patrimônio público da União. O imóvel possui 5,9 mil hectares e é composto pelos lotes 62, 63 e 64, linha 85, setor 8 da Gleba Corumbiara, no município de Vilhena.
Com a decisão, a área deve ser incorporada à Política Nacional de Reforma Agrária e destinada a famílias que se enquadrem no programa.

As terras em questão foram transferidas para três particulares na década de 1970 por meio de Contratos de Alienação de Terras Públicas (CATPs), celebrados com o Incra no âmbito da política de colonização do então Território Federal de Rondônia. Os contratos estabeleciam como condição resolutiva a implementação de lavouras e a criação de gado no prazo de cinco anos, com um ano de carência. O não cumprimento dessa exigência implicava a extinção automática dos CATPs e a reversão do imóvel ao patrimônio da União.

Em fiscalizações realizadas pelo Incra, ficou constatado que os projetos agropecuários previstos não foram implantados dentro do prazo contratual de cinco anos. Alguns imóveis encontravam-se subexplorados, sem lavoura ou criação de animais, e em outros não houve qualquer utilização produtiva. Um dos contratos previa, especificamente, a produção de milho, feijão, arroz e mandioca e a criação de bovinos, mas a área foi classificada pelo instituto como “grande propriedade improdutiva”.

Apesar do descumprimento das cláusulas resolutivas – que permitem a rescisão do contrato se uma condição específica não for cumprida – expressas nos CATPs, em 1995 os particulares chegaram a transferir os imóveis a terceiros, o que deu origem a disputas possessórias que se arrastaram por décadas.

Na apelação, o procurador da República Caio Hideki Kusaba explica que, ainda que os CATPs determinem a obrigação de o Incra vistoriar o imóvel em prazo determinado a partir de sua assinatura, os mesmos contratos preveem que o instituto pode inspecionar os lotes em qualquer tempo, para verificar se os particulares estavam cumprindo as exigências acordadas.

O MPF aponta que, mesmo o longo tempo transcorrido entre a celebração do contrato (1976) e a fiscalização do Incra (2006) não impede a reversão do imóvel ao patrimônio da União, como foi defendido pelos terceiros. De acordo com Kusaba, a constatação de descumprimento das condições de uso das terras, a qualquer tempo depois do período de cinco anos da assinatura dos contratos, implica o retorno imediato do imóvel ao Poder Público, independentemente de declarações administrativas ou judiciais.

“O descumprimento das condições acordadas no CATP resolve o contrato e extingue automaticamente o direito à aquisição da propriedade do imóvel pelo particular, independentemente de notificação”, confirma a decisão do TRF1. Kusaba explica, ainda, que as transferências feitas pelos particulares a terceiros são nulas de pleno direito por configurarem alienação feita por quem já não detinha a propriedade, cujo domínio estava de pronto revertido à União.

O Incra reforçou que os beneficiários originais não atenderam às condições previstas nos contratos, deixando de implantar lavouras e criação de bovinos, como estipulado nos projetos apresentados. Estando comprovado o descumprimento da função social da propriedade, o instituto defendeu a nulidade das transferências posteriores e o retorno das terras ao domínio público.

Destinação social – Em maio de 2024, representantes do MPF, da Defensoria Pública da União (DPU), da Defensoria Pública do Estado de Rondônia (DPE/RO), da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar visitaram famílias acampadas próximas ao imóvel. A decisão proferida pelo TRF-1 abre caminho para que o Incra possa dar a devida destinação às terras, nos termos da Política Nacional de Reforma Agrária.